A AUTO ESTIMA
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, Edições Políglota, para a palavra estima temos os seguintes significados: s.f. 1 – apreço, consideração /2 – apreciação, avaliação /3 – afeição, amizade. Podemos dizer que as palavras afeto e sentimento também cabem aqui e que a expressão auto estima quer dizer de um sentimento por si mesmo.
Contudo, a capacidade de uma pessoa ter um sentimento por si mesma hoje, seja ele positivo ou negativo, de aceitação ou de rejeição, vem do período em que esta pessoa ainda era apenas um projeto no desejo do outro – seus pais. Antes mesmo de ser concebido no ventre da mãe a pessoa já existe no desejo deles e recebe aí uma carga afetiva.
Os nossos afetos vem daí, desde este lugar imaginado pelos nossos pais, pois é desde lá que representamos “alguma coisa” para eles e recebemos, então, uma emoção deles por nós. Precisamos considerar aqui que não só os pais biológicos estão envolvidos nesta questão, mas que todos os adultos que se envolvam com o desenvolvimento da criança influenciam com seus desejos e seus afetos por ela.
É como se a criança estivesse sempre diante de muitos espelhos, diferentes entre si, que dessem para ela uma imagem dela de volta para ela mesma. Cada espelho, por ser diferente dos demais em tamanho e forma, daria uma imagem à sua própria maneira para a mesma criança. Uma particularidade destes espelhos é que eles, por serem espelhos vivos, cheios de desejos, emoções e espectativas, esperam que a criança venha a ser segundo as imagens que eles lhe estão dando. Isto cria uma pressão sobre a criança, uma pressão peculiar do mundo de relações, a pressão do campo afetivo.
Para que qualquer pessoa se desenvolva desde a infância até a sua adultez como um indivíduo saudável ela deve ser capaz de transformar todas estas imagens, sentimentos e expectativas dos outros sobre ela em uma imagem própria sobre si mesma. Deve ser capaz de fazer uma diferença em tudo aquilo que lhe foi dado e pintar o seu próprio quadro sobre si mesma. Ainda que esta seja uma obra que ela vá modificar por toda sua vida, este deve ser seu auto-retrato, sua identidade própria que sustenta sua auto estima, seu sentimento por si mesma.
Isto tudo, que leva uma vida, não quer dizer que a pessoa do mundo de relações interpessoais para o isolamento, mas que ela precisa aprender a sustentar a sua diferença neste mundo de relações, de desejos, emoções e expectativas sobre ela e que vai passar a ser também dela sobre os outros e sobre si mesma.
Significa que, sem abandonar o mundo povoado de outros, ela precisa encontrar um ponto de autonomia, de independência para poder olhar para si mesma e reconhecer sua diferença, sua identidade, fruto do que ela construiu e do que lhe coube historicamente, e poder dizer com propriedade – Esta sou eu aqui e agora, o que fiz do que fizeram de mim, amanhã não sei..
Romero Magalhães
Terapeuta de Abordagem Psicocorporal
Membro da Federação Latino Americana de Análise Bioenergética e da Sociedade de Análise Bioenergética da Bahia
O TOQUE
1. O Toque e sua Definição.
O toque na terapia corporal é uma técnica que visa atingir a parte somática do caráter, ou seja, atingir o caráter de seu aspecto corporal. Como técnica, tem uma teoria específica. Tem um “como fazer” e um “para fazer” que devem ser considerados dentro do contexto da dinâmica individual de cada cliente e, do momento da relação deste com o terapeuta. Mais importante do que saber “como proceder” no toque é saber “para que” você vai fazê-lo. Para aplicar um toque, o terapeuta precisa estar consciente da estrutura, da dinâmica, da transferência do cliente, ou seja, de que intervenção ou interferência este cliente precisa.
2. A Ética do Toque.
Cada terapeuta, em função de seu caráter, tem seu próprio potencial para interagir e para “provocar” mudanças, mas não pode perder de vista, em hipótese alguma, que o primeiro plano é do cliente e não seu. Toda vez que isto for desconsiderado será em maior ou menor grau, um prejuízo para o cliente. Como diz André Lapierre – ” O terapeuta não pode fazer uso do cliente como objeto complementar de sua falta”, seja ela sexual, afetiva, narcísica, de poder, etc. Isto é uma traição à alma e à confiança do cliente, como também diriam Robert Stein e A. Lowen. Portanto, para evitar que se utilize a técnica como meio de manipulação do cliente por parte do terapeuta, Boadella recomenda que este trabalhe com o coração. Trabalhar com o coração aproxima terapeuta e cliente numa relação humana de duas vias e, estabelece uma ética de respeito àquele momento que está dedicado ao processo de crescimento e mudança do cliente. Se o terapeuta ganha é porque está dedicado ao processo de crescimento e mudança do cliente. Se o terapeuta ganha é porque o seu lugar de “outro” é o de que está dispondo a sua maciez ou sua firmeza no momento do toque. Contudo, o toque não pode ser inocente, ele estabelece um campo transferencial ou digamos assim, um campo de distorções que deve ser atravessado em busca da ressonância, do contato “self to self”, alma a alma, ser a ser, através do corpo. É importante conduzir-se, deixando claro para a percepção de ambos, que o não vai permanecer no lugar dos objetos da história do cliente. Que ele está cumprindo uma função facilitadora “como se fosse” aquela figura do passado, mas que não o é. O que vai ficar é o aprendizado do corpo que, através da experiência com o outro corpo, resgatou para o “aqui e agora” o que aprendeu a possibilidade de construir um novo modo de ser.
3. O Toque e a presença e a Falta
Precisamos deixar claro que o toque continente, ou o “colo”, como às vezes é chamado, é mais do que consolar uma pessoa, é mais do que uma expressão de afetividade por parte do terapeuta. Tem-se comumente apenas uma visão romântica deste tipo de contato corporal entre terapeuta e cliente.
O que, na verdade, torna este terapêutico é o fato de que uma presença remete a uma falta.
A presença corporal do terapeuta na qualidade de continência, de suporte e de bordo (contorno), possibilita, ao cliente, resgatar para o eu uma falta que estava sendo caracterologicamente defendida, ou seja, estava sendo tratada por uma formação reativa do “Eu”.
Ao se sentir compreendido, acolhido e aceito pelo terapeuta em sua “necessidade falante”, da qual ele mesmo teve que se defender desidentificando-se, o cliente encontra no corpo do terapeuta, através do diálogo tônico, desde o olhar, a postura, o gesto, a interpretação, até o toque, um continente para aquilo que ele mesmo não podia conter e, e portanto, mantinha afastada de si memo – uma dor que não podia ser sentida para ser metabolizada.
A presença corporal do terapeuta (o contato) através do toque no cliente remete à falta em seu corpo (seu campo sensitivo) por que cria para esta falta “envelope” sensório.
Um “bordo” que lhe dá suporte e condições para sentir a si mesmo e para formar uma nova “gestalt” ou imagem interna.
Essa continência, do “outro Eu”, possibilita um “bordo” para o “Eu” do cliente sentir profundamente aquela dor e resgatar aquela parte aliendada de si, parte que ficou em falta e impossibilitada de ser, por ter lhe faltado “o Outro”, quando se faz necessário no processo de desenvolvimento da personalidade.
Através de um lugar no corpo, a dor é assim, tornada possível de ser sentida.
O “prejuízo” é então percebido e aceito, ganhando sentido, e a falta (necessidade não atendida) pode ser assimilada no “Eu”. O “sel” é liberado, integrando aquela dor (prejuízo) que antes estava sendo alienada por um mecanismo de defesa.
Uma presença (no aqui e agora) resgata, atualiza e integra uma falta do passado que não pôde ser metabolizada pelo “Eu”.
Agora que é possível sentir a dor e reconhecer a falta, surge à construção de um “projeto” para “dar conta dele” (e, não mais para tentar anulá-la) através de uma dialética interior. Partes, antes separadas, passam a comunicar-se em diálogo interno.
“Esta falta assimilada, ninguém a tira mais de mim” (Carlos Drumond de Andrade).
“Ela passa a fazer parte de identidade, ela é agora um elemento dinâmico de um novo “desejo de vir a ser” – um novo projeto de vir a ser.”
Categoricamente, nós repetimos o que não pôde ser, ainda, atualizado e, portanto, não pôde ser, ainda transformade em um “novo modo de ser”. Para tanto, é preciso liberar o “self” (si mesmo), através de deixar o “Eu” e se sentir atingido pelas vicissitudes de seu trajeto de vida.
Lowen nos fez ver os direitos básicos do ser humano no processo do desenvolvimento. Taya Soledade, em seu trabalho – Brincando de Verdade, nos mostriu que só há desenvolvimento porque há “envolvimento”. O ser humano precisa do outro humano “envolvido” com ele para que desenvolva (desenrole) seu potencial estrutural.
Sabemos que caráter é a resultante das vicissitudes desta relação, de como o “outro” se envolve com este “um”. Sabemos que, no caráter, nos identificamos como defesa passamos a nos defender como um modo de ser, contrário àquilo que realmente somos, mas não podemos suportar ser, passando a distorcer o nosso demandar e o nosso reagir aos mundos interno e externo.
O que o cliente recebe do mundo externo, no aqui e agora, representado pela presença corporal do terapeuta, tonicamente adequada à sua necessidade, além daquilo que não lhe foi dado – (o outro presente aqui e agora no lugar do outro que não estava lá, adequadamente, para estabelecer uma conexão anímica) é uma parte de si mesmo que não podia integrar em sua personalidade de maneira direta. O que ocorre a partir daí é uma possibilidade nova, mais inteira e menos distorcida de o “Eu” demandar e reagir – uma nova identificação, um novo senso de “Eu” e de si mesmo.
Para tanto, é imprescindível que os aspectos éticos estejam bem assimilados pelo terapeuta e que a possibilidade de estabelecer ressonância esteja presente, ou seja, estabelecer conexão anímica senão ele vai repetir o “erro”.
4. O Toque e a Técnica
O toque como técnica surge da compreensão (construção) que o terapeuta fez do cliente, mediante a leitura corporal, a escuta da queixa e da história, e da compreensão da estratégia caracterológica. Esta construçãoé chamada hipótese de trabalho. É a partir dela que surge a técnica, no caso aqui, o toque. O toque é nada mais nada menos do que o jeito, a maneira, a abordagem ou o “jeito de corpo” (como diz Caetano Veloso na música), naquele momento.
Se, está claro para o terapeuta o conceito, a sua maneira de agir será consequência daquele conceito no plano da ação, é o corpo. O toque vai também se mantendo ou se modificando a cada observação seguinte numa mesma intervenção.
A técnica pode ser criada, recriada ou modificada na hora.
5. O Toque e os conceitos de Totalização e Destotalização
Um aspecto ou ângulo sosb o qual pode ser considerado o toque terapêutico é através dos conceitos de totalização e destotalização da Biossíntese, que em essência, são direções de trabalho.
O toque totalizante busca a harmonização, a centralização, a seletividade celular.
São aplicados em estruturas destotalizadas onde faltam limites, onde o senso de “Eu” é frágil e o senso de limites é confuso, débil, tornando-se fáceis de ser invadidas.
Então, esta direção de tocar a construção e o fortalecimento do senso de si mesmo, de bordos (limites) e de discriminação.
O toque destotalizante busca a participação, a diferenciação das partes, a permeabilidade celular. São aplicadas em estruturas totalizadas, onde o senso de “Eu” é forte, como fortes limites e defesas peculiares, difíceis de ceder ou serem penetradas. este toque busca a rendição da couraça muscular do caráter, vai buscar ir além da tensão muscular, desencouraçando.
Para esta direção de tocar, é importante ressaltar que antes de tocar duro o cliente, o terapeuta deve lhe pedir licença e estabelecer um “feeling” positivo entre eles para que o cliente perceba que, o terapeuta está contra uma parte seu que é a couraça e não contra ele mesmo – o “self”.
6. O toque e as Funções Maternas e Paternas
Outro ponto de vista ou aspecto sob o qual pode ser visto o toque é através das funções materna ou feminina e paterna ou masculina. A qualidade feminina do toque é a montagem, com sua energia Yin – suave. A qualidade masculina do toque é a paternagem com sua energia Yang – forte, segura.
A qualidade do materno é pulsante, e acompanha a pulsação do cliente. É aplicado em estruturas e musculares frágeis ou desenergizadas, ou então, em estruturas fortes que cederam ou se entregaram. A função deste toque é nutrir, preencher, visceralizar, ser continente a descarga da dor. O contato é ressoante, funcional.
A qualidade do toque paterno é penetrante e ataca a contra-pulsão; é aplicado contra musculaturas rígidas, impermeáveis e espáticas para fazer a musculatura ceder e restabelecer a pulsação organísmica, liberando a energia pressa, podendo provocar dor ou raiva. O contato é individualizado; aplicado contra a couraça. Outro aspecto do toque paterno é o de dar suporte-sustentar, sem fundir-se.
7. O toque como Instrumento de onhecimento (Linguagem )
Para Lowen, o toque é um veículo de conhcimento do outro. Através do toque, reconhece-se a suavidade ou rigidez da musculatura, a secura da pele ou vivacidade dos tecidos. O toque é uma forma primária de contato, conhecimento e comunicação. O terapeuta, através do toque, trnsmite ao cliente a noção de que o sente e o aceita como um ser corporal. Tocar é um modo ntural de estar em contato. É tarefa do terapeuta, de demonstrar que ão há motivo de medo, estar em contato com o toque.
“O paciente tem necessidade de tocar o terapeuta. É tabu contra o tocar que o faz sentir-se isolado. O toque é uma linguagem que vai, omde as palavras não alcançam”.
Entrar em contato com o corpo do terapeuta facilita o cliente a entrar em contato com seu próprio corpo e consequentemente, consigo mesmo
Para isto, o terapeuta não deve erotizar o toque. Qualquer movimento sexual do terapeuta é uma traição à confiança depositada no vínculo terapêutico.
“O terapeuta deve estar atento á sua limitação e saber também não tocar”.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Carlos Drumond. Corpo. Ed. Record.
BODELLA, David. Cadernos de Biodinâmica.
KELLY, C, Jornal do Radix.
LAPIERRE, A. A simbologia do movimento.
LOWEN et all. Workshp.
LOWEN, A. O corpo em terapia.
REICH, W. Afunção do orgasmo.
SOLEDADE, Taya. Brincando de verdade. O corpo e a letra.
STEIN, R. Incesto e amor humano.
TEIXEIRA, Fátima. Aula dada com material do Instituto Agora/SP.
Romero Magalhães
Terapeuta de Abordagem Psicocorporal
Membro da Federação Latino Americana de Análise Bioenergéticae da Sociedade de Análise Bioenergética da Bahia